DECISÃO JUDICIAL – Adequação da pena – Estatuto Desarmamento

DECISÃO

1. A Defesa pugnou pela aplicação do Decreto n° 9.847/2019 e Portaria n° 1.222/2019, do Comando do Exército (novatio legis in mellius) e consequente modificação da capitulação jurídica do art. 16 para o art. 14 e/ou 12, todos da Lei n° 10.826/03, pelo qual o apenado foi condenado nos autos n° XX (mov. XX).

O Ministério Público manifestou-se pelo deferimento do pedido (mov. XX).

É o relatório. DECIDO.

2. A retroatividade da lei penal mais benéfica tem fundamento jurídico no artigo 2º, parágrafo único do Código Penal, que dispõe: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.

Segundo dispõe o artigo 66, inciso I da Lei de Execução Penal, é ao Juiz da Execução que compete “aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado”.

Importante destacar que a matéria encontra-se sumulada pelo Supremo Tribunal Federal, Súmula 611, que já estabeleceu que a lei mais benéfica deve ser aplicada pelo Juízo da Execução após o trânsito em julgado da condenação1.

O caso trata da alteração legislativa que recaiu sobre a Lei n° 10.826/03, operada pelo Decreto n° 9.847/2019 em conjunto com a Portaria n° 1.222/2019, do Comando do Exército, que modificaram a listagem de calibres nominais de armas e munições consideradas de uso permitido e restrito no Brasil.

Tanto o art. 16, quanto o art. 14, da Lei n° 10.826/03, são considerados normas penais em branco, ou seja, dependem de complementação por disposição legal ou regulamentar2.

A alteração legislativa não gerou uma abolitio criminis, vez que a conduta de portar ou ter a posse de arma de fogo em desacordo com as determinações legais ou regulamentares não deixou de ser crime, pelo contrário a conduta continua a ser penalmente típica e punível, porém, a depender da situação fática, deve ser reclassificada juridicamente, quando constatado que o calibre nominal da arma ou da munição deixou de ser restrito e tornou-se permitido, ocorrendo a continuidade normativo-típica, como é o caso dos autos3.

No caso em concreto verifica-se da sentença condenatória dos autos n° XX (mov. XX) que o apenado foi condenado à pena de XX de Reclusão pela prática do crime de porte de arma de fogo de uso restrito, vez que portava “01 (uma) pistola, calibre 9mm, marca XX, número de série XX”.

Conforme o Anexo A, da Portaria n° 1.222/2019, do Comando do Exército, o calibre 9mm tornou-se de uso permitido.

Dessa forma, ante a alteração legislativa, a conduta do sentenciado que antes se enquadrava ao tipo penal previsto no art. 16, da Lei n° 10.826/03, agora deve ser reclassificada para o art. 14, da mesma Lei, já que o sentenciado portava a arma e as munições agora de uso permitido.

Ante o exposto, face à retroatividade da lei penal mais benéfica, passo a REFAZER A DOSIMETRIA DA PENA, obedecendo estritamente aos parâmetros estabelecidos pelo Juízo da condenação para não macular a coisa julgada e suprimir instâncias:

DOSIMETRIA:

O crime previsto no art. 14, da Lei n° 10.826/03 (Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido) possui pena de reclusão, de 02 a 04 anos, e multa.

Conforme se observa da sentença de mov. XX, na primeira fase da dosimetria da pena, após a análise das circunstâncias judiciais a pena-base permaneceu inalterada; na segunda fase não houve incidência de agravantes ou atenuantes, e ainda que a defesa alegue que houve confissão, a aplicação da eventual atenuante não poderia conduzir a pena abaixo do mínimo legal, em observância ao disposto na Súmula n° 231, do STJ. Na terceira fase não houve aplicação de causas de aumento ou diminuição da pena. Sendo assim, utilizando os parâmetros da dosimetria da pena do Juízo da condenação, a pena do sentenciado deve ser fixada no mínimo legal, qual seja 02 anos de Reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Considerando que o parâmetro utilizado para fixação do regime inicial de cumprimento da pena foi unicamente a quantidade de pena, com base no art. 33, §2°, alínea “c”, do Código Penal, deve ser fixado o regime ABERTO para cumprimento da pena.

2.1. Ante todo o exposto, DESCLASSIFICO a conduta do apenado XXpara o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (Art. 14, da Lei n° 10.826/03) e fixo a pena para o referido crime em 02 anos de Reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Ante o quantum total de pena, MANTENHO o regime inicial de cumprimento da pena, qual seja, regime ABERTO

Expeça-se Guia de Recolhimento Complementar.

Realize-se as correções necessárias no RESPE do sentenciado quanto à desclassificação.

Sem custas.

Publicada e registrada pelo sistema SEEU.

Intimem-se.

Diligências necessárias.

Cascavel, data da assinatura digital.

CLAUDIA SPINASSI

Juíza de Direito

1 Súmula 611 STF: Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.

2 RECLASSIFICAÇÃO DAS CONDUTAS NARRADAS NA EXORDIAL ACUSATÓRIA – PROVIDÊNCIA DE OFÍCIO – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 383 E 617 DO CPP – NOVA REGULAMENTAÇÃO DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO – DECRETO N. 9.847/2019 – MUNIÇÕES TRANSPORTADAS PELO ACUSADO QUE PASSARAM A SER DE USO PERMITIDO – RETROATIVIDADE BENÉFICA POR FORÇA CONSTITUCIONAL (ART. 5º, XL) E LEGAL (CP, ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO). I – Os crimes trazidos no Estatuto do Desarmamento resultam de lei penal em branco, sendo os respectivos preceitos primários (conduta criminosa) complementados por ato do Chefe do Poder Executivo Federal (Lei n. 10.826/03, art. 23). No caso, é a regulamentação presidencial, não o Estatuto, que define e classifica diferentes armas de fogo e demais produtos controlados; mais precisamente, portanto, é o regulamento do Presidente da República o responsável por enquadrar os artefatos bélicos nas diferentes espécies de uso (permitido, restrito e proibido). II – Com a constatação de que o regulamento atual, menos rigoroso em relação ao uso de determinados armamentos, é aproveitado pelo acusado, tem-se a sua retroatividade por força constitucional (art. 5º, XL) e legal (CP, art. 2º, parágrafo único). Assim, mantida inalterada a imputação fática constante da incoativa, cabe a reclassificação jurídica, de ofício, da conduta do acusado (CPP, art. 383 c/c art. 617), a fim de que a condenação ocorra pelo crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/03. RECURSO DESPROVIDO, COM A RECLASSIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DA CONDUTA OBJETO DA CONDENAÇÃO. (TJ-SC – APR: 00040149820148240064 São José 0004014-98.2014.8.24.0064, Relator: Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Data de Julgamento: 18/07/2019, Quarta Câmara Criminal)

3 EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVA. RECURSO IMPROVIDO. 1. A abolitio criminis pressupõe a revogação da legislação anterior. Contudo, nem sempre essa revogação culmina na abolitio criminis. Isso porque a conduta descrita na norma revogada pode continuar tipificada em outro diploma legal, como no caso dos autos, dando ensejo ao fenômeno denominado pela doutrina como princípio da continuidade normativo-típica. 2. A abolitio criminis da majorante prevista no art. 157, § 2º, inc. I, do Código Penal, promovida pela Lei n.º 13.654/2018, diz respeito apenas aos delitos praticados com emprego de artefato diverso de arma de fogo. 3. Recurso improvido. (TJ-ES – APL: 00008346020188080038, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Data de Julgamento: 20/03/2019, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 25/03/2019)

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