Publicado antecipadamente em 22 de dezembro de 2023, o Decreto n. 11.846/2023 introduz novas diretrizes para a concessão de indultos e comutações de penas no Brasil. Sem gerar grandes polêmicas, mas com grandes inovações, a norma se destaca por sua redação clara e abrangente, trazendo uma abordagem renovada e mais humana à execução penal, e abre um vasto campo para atuação dos advogados.
1. Crimes Excluídos do Indulto e Comutação:
Comecemos nossa análise pelos crimes excluídos da benesse, ou seja, aqueles que o indulto não é cabível e que impedem a concessão do benefício para o delito permissivo nos casos de concurso de crimes.
O art. 1º, do decreto em questão apresenta a lista dos crimes impeditivos. Observe que, para os delitos ali listados, não é possível indulto e comutação.
Seguindo a tradição e a regra constitucional, a norma mantém a exclusão de crimes hediondos ou equiparados, tráfico, tortura e terrorismo. A inovação, neste ano, fica por conta da inclusão do delito de associação para o tráfico como crime impeditivo do indulto e da comutação (art. 1º, XVII, parte final, “art. 34 a art. 37”). Uma surpresa negativa, já que tal crime não é considerado hediondo e, em outros anos, foi permissivo do indulto.
O tráfico privilegiado, mais uma vez, não foi abrangido dentre os crimes impeditivos explicitamente. Nestes casos, portanto, por não ser considerado hediondo, é cabível o indulto e a comutação.
Aliás, ao falarmos sobre os crimes impeditivos é importante destacar que, diferentemente do decreto de 2022, o de 2023 exige o cumprimento de apenas dois terços (⅔) da pena do crime impeditivo para que seja possível o indulto e comutação dos crimes permissivos (art. 9º, par. único).
Outra novidade foi a vedação do indulto (apenas do indulto, da comutação é permitida) para os indivíduos membros de facções criminosas, submetidas ao RDD ou inseridas no sistema penitenciário federal (art. 1º, § 1º).
2. As modalidades de indulto previstas no Decreto n. 11.846/2023
O novo decreto traz, em seu art. 2º, 11 (onze) modalidades diferentes de indulto, as quais precisam ser analisadas, subsidiariamente, por ordem de exclusão.
Algumas serão analisadas de forma independente (por exemplo: indulto da pena de multa e das penas restritivas de direito); outras, serão concorrentes, ou seja, mais de uma poderá ser aplicada ao mesmo caso (exemplo: indulto por saúde, indulto por tempo de pena cumprido, indulto terminal).
Diante de um caso concreto relativo à pena privativa de liberdade, a dica é verificar se é possível o enquadramento nas hipóteses do art. 2º, as quais não exigem requisito objetivo (cumprimento de parte da pena), tendo em vista que são mais benéficas ao sentenciado. Somente não sendo possível este enquadramento é que se passa à análise das demais hipóteses, uma a uma, por exclusão.
2.1. Indultos Independentes
a) Indulto da Pena de Multa:
De acordo com o art. 2, inciso X, do decreto em análise, as penas de multa, ainda não pagas e que foram aplicadas isolada ou cumulativamente com penas privativas de liberdade serão perdoadas, desde que o condenado não tenha condições de pagar ou que não superem o teto mínimo de execução fiscal da Fazenda Pública Nacional.
De acordo com a Portaria n. 75, de 22 de março de 2012, o teto mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais federais é de R$20.000,00 (vinte mil reais). Logo, muitas multas aplicadas pelo crime de tráfico de drogas comum estarão abrangidas pelo decreto, sendo possível o indulto para elas, contanto que tenham sido cumpridos dois terços da pena do tráfico (crime impeditivo).
Importante ressaltar, ainda, que o indulto da pena de multa não exige boa conduta por parte do sentenciado, conforme o art. 6º, § 2º do Decreto.
b) Indulto das Penas Restritivas de Direito:
Este decreto também contempla indultos para penas restritivas de direito, ampliando a abrangência e inclusão na execução penal, conforme detalhado no art. 2º, incisos XII e XIII.
De acordo com o art. 2º, inciso XII, serão perdoadas as pessoas condenadas a penas privativas de liberdade, substituídas por restritivas de direitos, que, de qualquer forma, tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade da pena, se reincidentes. Vale observar que o cumprimento parcial pode ter se dado por prisão, por parte da pena restritiva de direitos, ou até mesmo somadas as duas maneiras, já que o decreto fala em “qualquer forma”.
O inciso XIII prevê o perdão com o cumprimento de apenas um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço da pena, se reincidentes, desde que este período tenha sido cumprido em prisão provisória.
c) Indulto por Saúde e Etário:
Preservando a sensibilidade humanitária, o decreto continua a oferecer indulto para as pessoas doentes e idosos acima de sessenta e setenta anos.
2.2. Indulto concorrente – genéricos
Mesmo entre os indultos concorrentes genéricos, vale a pena começar a análise por aqueles mais específicos:
a) Indulto Feminino:
Na mesma linha de recentes decisões do STF e do STJ, o decreto traz o indulto feminino, uma medida progressista que abrange mães condenadas às penas privativas de liberdade por crimes não violentos, que tenham filhos menores de 18 anos ou, de quaisquer idades, com doenças crônicas graves ou deficiência, e que tenham cumprido parte da pena (art. 2º, VI e VII).
b) Indulto dos Crimes Contra o Patrimônio:
Esse indulto poderia se chamar “indulto do furto qualificado”, pois vai se aplicar diretamente a ele.
O decreto de 2023 prevê, especificamente para crimes contra o patrimônio cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, condições especiais para o indulto, como estabelecido nos incisos XV e XVI.
c) Indulto Terminal:
O “Indulto Terminal”, previsto no art. 2º, XIV, é outra novidade do decreto, sendo destinado aos condenados em fase final de cumprimento de pena, seja em regime aberto ou livramento condicional.
Este indulto visa extinguir as penas que estão próximas do fim, abrindo caminho para uma revisão criteriosa dos processos em regime aberto ou livramento condicional, já que grande parte deles será caso de extinção pelo por esta hipótese de indulto.
d) Indulto pelo Cumprimento Parcial de Pena:
Em uma mudança significativa em relação ao decreto anterior, a nova norma restabelece a exigência do cumprimento parcial da pena para a concessão do indulto, especialmente nos casos mencionados nos incisos I, II e III do art. 2º, os quais se referem aos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.
Conclusão:
Em conclusão, o Decreto n. 11.846/2023 traz novidades muito interessantes e abrangentes, sendo uma excelente oportunidade para a extinção de vários processos de execução penal, em especial àqueles relativos às penas de multa não pagas, às penas restritivas de direito parcialmente cumpridas, aos furtos qualificados e às penas privativas de liberdade em final de cumprimento.
Vejo vocês no SEEU.